Title: O Memorial do Convento, de Jos
1O Memorial do Convento,de José Saramago (1982)
2apontamentos
3Linguagem e estilo
- Cada frase, ou discurso, ou o período, cria-se
dentro de mim mais como uma fala do que como uma
escrita. A possibilidade da espontaneidade, a
possibilidade do discurso em linha recta, enfim,
a direito, é muito maior do que se eu me
colocasse na posição de quem escreve. No fundo,
ao escrever estou colocado na posição de quem
fala. - José Saramago, in Conversas, Mário Ventura, Publ.
Dom Quixote, 1986
4Linguagem e estilo
- Uma das características mais notórias de José
Saramago é a utilização peculiar da pontuação. - Principal marca nas passagens do discurso
directo - eliminação do travessão e dos dois pontos
- a substituição do ponto de interrogação e de
outros sinais de pontuação pela vírgula - sendo o início de cada fala apenas assinalado
pela maiúscula.
5LER EM VOZ ALTA
- "Por uma hora ficaram os dois sentados, sem
falar. Apenas uma vez Baltasar se levantou para
pôr alguma lenha na fogueira que esmorecia, e uma
vez Blimunda espevitou o morrão da candeia que
estava comendo a luz e então, sendo tanta a
claridade, pôde Sete-Sóis dizer, Por que foi que
perguntaste o meu nome, e Blimunda respondeu,
Porque minha mãe o quis saber e queria que eu o
soubesse, Como sabes, se com ela não pudeste
falar, Sei que sei, não sei como sei, não faças
perguntas a que não posso responder, faze como
fizeste, vieste e não perguntaste porquê, E
agora, Se não tens onde viver melhor, fica aqui,
Hei-de ir para Mafra, tenho lá família, Mulher,
Pais e uma irmã, Fica, enquanto não fores, será
sempre tempo de partires, Por que queres tu que
eu fique, Porque é preciso, Não é razão que me
convença, Se não quiseres ficar, vai-te embora,
não te posso obrigar, Não tenho forças que me
levem daqui, deitaste-me um encanto, Não deitei
tal, não disse uma palavra, não te toquei,
Olhaste-me por dentro, Juro que nunca te olharei
por dentro, Juras que não o farás e já o fizeste,
Não sabes de que estás a falar, não te olhei por
dentro, Se eu ficar, onde durmo, Comigo." - pág. 56
6ACÇÃO - estrutura
- A obra está dividida em 24 capítulos, apesar de
estes não estarem numerados ou titulados
7Narrador (quanto à participação)
- Geralmente, é HETERODIEGÉTICO (surge na terceira
pessoa e não participa na acção) - PORÉM, por vezes, assume o ponto de vista de
algumas personagens (assumindo a primeira pessoa
do singular e até do plural) HOMODIEGÉTICO - Isso acontece porque o narrador assume o
pensamento de algumas personagens
8NARRADOR (focalização)
- Geralmente, o narrador assume uma focalização
omnisciente - Tem uma perspectiva transcendente em relação às
personagens e move-se à vontade no tempo,
saltando facilmente entre passado, presente e
futuro.
9Focalização omnisciente
- "Mas também não faltam lazeres, por isso, quando
a comichão aperta, Baltasar pousa a cabeça no
regaço de Blimunda e ela cata-lhe os bichos, que
não é de espantar terem-nos os apaixonados e os
construtores de aeronaves, se tal palavra já se
diz nestas épocas, como se vai dizendo armistício
em vez de pazes. " pág. 91 - "Mas em Lisboa dirá o guarda-livros a el-rei,
Saiba vossa majestade que na inauguração do
convento de Mafra se gastaram, números redondos,
duzentos mil cruzados, e el-rei respondeu, Põe na
conta, disse-o porque ainda estamos no princípio
da obra, um dia virá em que quereremos saber,
Afinal, quanto terá custado aquilo, e ninguém
dará satisfação dos dinheiros gastos, nem
facturas, nem recibos, nem boletins de registo de
importação, sem falar de mortes e sacrifícios,
que esses são baratos. " pág. 138
10Focalização interna
Outras vezes, o narrador assume momentaneamente a
perspectiva das personagens que vivem a acção,
conferindo mais vivacidade e verosimilhança à
narrativa.
11EXEMPLO
- "Grita o povinho furiosos impropérios aos
condenados, guincham as mulheres debruçadas dos
peitoris, alanzoam os frades, a procissão é uma
serpente enorme que não cabe direita no Rossio e
por isso se vai curvando e recurvando como se
determinasse chegar a toda a parte ou oferecer o
espectáculo edificante a toda a cidade, aquele
que ali vai é Simeão de Oliveira e Sousa, sem
mester nem benefício, mas que do Santo Ofício
declarava ser qualificador, e sendo secular dizia
missa, confessava e pregava, e ao mesmo, tempo
que isto fazia proclamava ser herege e judeu,
raro se viu confusão assim, (...) por toda a
vida, e esta sou eu, Sebastiana Maria de Jesus,
um quarto de cristã-nova, que tenho visões e
revelações, mas disseram-me no tribunal que era
fingimento, que ouço vozes do céu, mas
explicaram-me que era demoníaco, que sei que
posso ser santa como os santos o são, ou ainda
melhor, pois não alcanço diferença entre mim e
eles, mas repreenderam-me de que isso é presunção
insuportável e orgulho monstruoso, desafio a
Deus, aqui vou blasfema, herética, temerária,
amordaçada para que não me ouçam as temeridades,
as heresias e as blasfémias, condenada a ser
açoitada em público e a oito anos de degredo no
reino de Angola (...) - págs. 52-53
12PERSONAGENS
- D. JOÃO V
- D. João V representa o poder real absolutista que
condena uma nação a servir a sua religiosidade
fanática e a sua vaidade. - Cumpridor dos seus deveres de marido e de rei, D.
João V assume apenas o papel gerativo de um filho
e de um convento, numa dimensão procriadora, da
qual a intimidade e o amor se encontram ausentes.
13PERSONAGENS D. JOÃO V
- Amante dos prazeres humanos, a figura real é
construída através do olhar crítico do narrador,
de forma multifacetada - é o devoto fanático que submete um país inteiro
ao cumprimento de uma promessa pessoal (a
construção do convento, de modo a garantir a
sucessão) e que assiste aos autos-de-fé - é o marido que não evidencia qualquer sentimento
amoroso pela rainha, apresentando nesta relação
uma faceta quase animalesca, enfatizado pela
utilização de vocábulos que remetem para esta
ideia (como a forma verbal" emprenhou" e o
adjectivo "cobridor")
14PERSONAGENS D. JOÃO V
- é o megalómano que desvia as riquezas nacionais
para manter uma corte dominado pelo luxo, pela
corrupção e pelo excesso - é o rei vaidoso que se equipara o Deus nas suas
relações com as religiosas é o curioso que se
interessa pelas invenções do padre Bartolomeu de
Gusmão
15PERSONAGENS D. JOÃO V
- é o esteta que convida Domenico Scarlatti a
permanecer em Portugal - é o homem que teme a morte e que antecipa a sua
imortalidade, através da sagração do convento no
dia do seu quadragésimo primeiro aniversário.
16PERSONAGENS
- D. MARIA ANA JOSEFA
- A rainha representa a mulher que só através do
sonho se liberta da sua condição aristocrática
para assumir a sua feminilidade. - D. Maria Ana é caracterizada como uma mulher
- passiva,
- insatisfeita,
- que vive um casamento baseado na aparência, na
sexualidade reprimida e num falso código ético,
moral e religioso.
17PERSONAGENS D. MARIA ANA JOSEFA
- A transgressão onírica é a única expressão da
rainha que sucumbe, posteriormente, ao sentimento
de culpa. A pecaminosa atracção incestuosa que
sente por D. Francisco, seu cunhado, conduzem-na
a uma busca constante de redenção através da
oração e da confissão. - COMPLEXO DE CULPA. - A rainha vive num ambiente repressivo, cujas
proibições regem a sua existência e para a qual
não há fuga possível, a não ser através do sonho,
onde pode explorar a sua sensualidade. - Consciente da virilidade e da infidelidade do
marido (abundam os filhos bastardos), D. Maria
Ana assume uma atitude de passividade e de
infelicidade perante a vida.
18PERSONAGENS
- BALTASAR SETE-SÓIS
- Baltasar Mateus é um dos membros do casal
protagonista da narrativa. - Representa a crítica do narrador à desumanidade
da guerra, uma vez que participa na Guerra da
Sucessão (1704-1712) e, depois de perder a mão
esquerda, é excluído do exército.
19PERSONAGENS BALTASAR SETE-SÓIS
- Construído enquanto arquétipo da condição humana,
Baltasar Sete-Sóis é um homem pragmático e
simples, que assume o papel de demiurgo na
construção da passarola (ao realizar o sonho de
Bartolomeu de Gusmão). - Participa na construção do convento e partilha,
através do silêncio, a vida de Blimunda
Sete-Luas. Sucumbe às mãos da Inquisição.
20PERSONAGENS
- BLIMUNDA SETE-LUAS
- Blimunda é o segundo membro do casal protagonista
da narrativa. Mulher sensual e inteligente,
Blimunda vive sem subterfúgios, sem regras que a
condicionem e escravizem. -
- Dotada de poderes invulgares, como a mãe, escolhe
Baltasar para partilhar a sua vida, numa
existência de amor pleno, de liberdade, sem
compromissos e sem culpa.
21PERSONAGENS BLIMUNDA SETE-LUAS
- Blimunda representa o transcendente e a
inquietação constante do ser humano em relação à
morte, ao amor, ao pecado e à existência de Deus.
- O seu dom particular (ecovisão) transfigura esta
personagem, aproximando-a da espiritualidade da
música de Scarlatti e do sonho de Bartolomeu de
Gusmão. - Ao visualizar a essência dos que a rodeiam,
Blimunda transgride os códigos existentes e
percepciona a hipocrisia e a mentira.
22PERSONAGENS
- FREI BARTOLOMEU LOURENÇO DE GUSMÃO
- O padre Bartolomeu Lourenço de Gusmão representa
as novas ideias que causavam estranheza na
inculta sociedade portuguesa. - Estrangeirado, Bartolomeu de Gusmão tornou-se um
alvo apetecido do chacota da corte e da
Inquisição, apesar da protecção real. - Homem curioso e grande orador sacro (a sua fama
aproxima-o do padre António Vieira).
23PERSONAGENS BARTOLOMEU DE GUSMÃO
- Bartolomeu de Gusmão evidenciou, ao longo da
obra, uma profunda crise de fé, a que as leituras
diversificadas e a postura "antidogmática" não
serão alheios, numa busca incessante do saber. - A sua personagem risível - era conhecido por
"Voador" - torna-o elemento catalisador do voo do
passarola, conjuntamente com Baltasar e Blimunda.
- A tríade corporiza o sonho e o empenho tornados
realidade, a par da desgraça, também ela,
partilhada (loucura e morte, em Toledo, de
Bartolomeu de Gusmão, morte de Baltasar Sete-Sóis
no auto-de-fé e solidão de Blimunda).
24PERSONAGENS
- DOMENICO SCARLATTI
- Scarlatti representa a arte que,
- aliada ao sonho,
- permite a cura de Blimunda e possibilita a
conclusão e o voo da passarola.
25PERSONAGENS
26PERSONAGENS O POVO
- O verdadeiro protagonista de Memorial do Convento
é o povo trabalhador. Espoliado, rude, violento,
o povo atravessa toda a narrativa, numa
construção de figuras que, embora corporizadas
por Baltasar e Blimunda, tipificam a massa
colectiva e anónima que construiu, de facto, o
convento. - A crítica e o olhar mordaz do narrador enfatizam
a escravidão a que foram sujeitos quarenta mil
portugueses, para alimentar o sonho de um rei
megalómano ao qual se atribui a edificação do
Convento de Mafra.
27PERSONAGENS O POVO
- A necessidade de individualizar personagens que
representam a força motriz que erigiu o
palácio-convento, sob um regime opressivo, é a
verdadeira elegia de Saramago para todos aqueles
que, embora ficcionais, traduzem a essência de
ser português - GRANDES FEITOS, COM GRANDE ESFORÇO E CAPACIDADE
DE SOFRIMENTO
28Espaço
O espaço físico
- São dois os espaços físicos nos quais se
desenrola a acção Lisboa e Mafra. - Lisboa, enquanto macroespaço, integra outros
espaços - TERREIRO DO PAÇO,
- ROSSIO
- E SÃO SEBASTIÃO DA PEDREIRA
29Espaço físico
- Terreiro do Paço
- Local onde Baltasar trabalha num açougue, após a
sua chegada a Lisboa. É onde decorre a procissão
do Corpo de Deus. - Rossio
- Este espaço aparece no início da obra como o
local onde decorrem o auto-de-fé e a procissão da
Quaresma ou dos penitentes. - S. Sebastião da Pedreira
- Trata-se de um espaço relacionado com a passarola
do padre Bartolomeu de Gusmão, ligada, assim, ao
carácter mítico da máquina voadora. No época, S.
Sebastião da Pedreira era um espaço rural, onde
existiam várias quintas que integravam palacetes.
30Espaço físico Mafra
- Mafra é o segundo macroespaço. Até à construção
do convento, a vida de Mafra decorria na vila
velha e no antigo castelo, próximo da igreja de
Sto. André. - A Vela foi o local escolhido para a construção do
convento, que deu lugar à vila nova, à volta do
edifício. Nas imediações da obra, surge a "Ilha
da Madeira", onde começaram por se alojar dez mil
trabalhadores, ascendendo, mais tarde, a quarenta
mil. - Além de Mafra, são ainda referidos espaços como
Pêro Pinheiro, - a serra do Barregudo, Monte Junto e Torres Vedras.
31O espaço social
- O espaço social
- o espaço social é construído, na obra, através do
relato de determinados momentos (ou episódios) e
do percurso de personagens que tipificam um
determinado grupo social, caracterizando-o. - Ao nível da construção do espaço social,
destacam-se os seguintes momentos - PROCISSÃO DA QUARESMA
- AUTOS-DE-FÉ
- A TOURADA
- PROCISSÃO DO CORPO DE DEUS
- O TRABALHO NO CONVENTO
32O espaço social Procissão da Quaresma
- Procissão da Quaresma
- excessos praticados durante o Entrudo (satisfação
dos prazeres carnais) e brincadeiras
carnavalescas - as pessoas comiam e bebiam
demasiado, davam "umbigadas pelas esquinas",
atiravam água à cara umas das outras, batiam nas
mais desprevenidas, tocavam gaitas, espojavam-se
nas ruas. - penitência física e mortificação da alma após os
desregramentos durante o Entrudo (é tempo de
"mortificar a alma para que o corpo finja
arrepender-se)
33O espaço social Procissão da Quaresma
- descrição da procissão (os penitentes à cabeça,
atrás dos frades, o bispo, as imagens nos
andares, as confrarias e as irmandades) - manifestações de fé que tocavam a histeria (as
pessoas arrastam-se pelo chão, arranham-se, puxam
os cabelos, esbofeteiam-se) enquanto o bispo faz
sinais da cruz e um acólito balança o incensório
os penitentes recorrem à autoflagelação - o narrador afirma que, apesar da tentativa de
purificação através do incenso, Lisboa permanecia
uma cidade suja, caótica e as suas gentes eram
dominadas pela hipocrisia de uma alma que,
ironicamente, este define como "perfumada.
34O espaço social Autos-de-fé
35O espaço social Autos-de-fé
- Autos-de-fé (Rossio) Neste relato, são de
salientar os seguintes aspectos - o Rossio está novamente cheio de assistência a
população está duplamente em festa, porque é
domingo e porque vai assistir a um auto-defé
(passaram dois anos após o último evento deste
tipo) - o narrador revela a sua dificuldade em perceber
se o povo gosta mais de autos-de-fé ou de
touradas, evidenciando com esta afirmação a sua
ironia crítica perante um povo que revela um
gosto sanguinário e procura nas emoções fortes
uma forma de preencher o vazio da sua existência
36O espaço social Autos-de-fé
- a assistência feminina, à janela, exibe as suas
toilettes, preocupa-se com pormenores fúteis
relativos à sua aparência (a segurança dos
sinaizinhos no rosto, a borbulha encoberta), e
aproveita a ocasião para se entregar a jogos de
sedução com os pretendentes que se passeiam em
baixo - a proximidade da morte dos condenados constitui o
motivo do ambiente de festa esta constatação
suscita, mais uma vez, a crítica do narrador - na
realidade, o facto de as pessoas saberem que
alguns dos sentenciados iriam, em breve, arder
nas fogueiras não as inibia de se refrescarem com
água, limonada e talhadas de melancia e de se
consolarem com tremoços, pinhões, tâmaras e
queijadas
37O espaço social Autos-de-fé
- sai a procissão - à frente os dominicanos
depois, os inquisidores - distinção entre os vários sentenciados (através
do gorro e sambenito), assim como o crucifixo de
costas voltadas, para as mulheres que irão arder
na fogueira - menção dos nomes de alguns dos condenados
(inclusivamente,o de Sebastiana Maria de Jesus,
mãe de Blimunda) - início da relação entre Baltasar e Blimunda
- punição dos condenados pelo Santo Ofício - o povo
dança em frente das fogueiras
38O espaço social Tourada
39O espaço social Tourada
- Tourada (Terreiro do Paço)
- o espectáculo começa e o narrador enfatiza a
forma como os touros são torturados, exibindo o
sangue, as feridas, as "tripas ao público que,
em exaltação, se liberta de inibições ("os homens
em delírio apalpam as mulheres delirantes, e elas
esfregam-se por eles sem disfarce
40O espaço social Tourada
- dois toiros saem do curro e investem contra
bonecos de barro colocados na praça de um saem
coelhos que acabam por ser mortos pelos capinhas,
de outro, pombas que acabam por ser apanhadas
pela multidão - A ironia do narrador é ainda traduzida pela
constatação de que, em Lisboa, as pessoas não
estranham o cheiro a carne queimada,
acrescentando ainda numa perspectiva crítica, que
a morte dos judeus é positiva, pois os seus bens
são deixados à Coroa.
41O espaço social Procissão do Corpo de Deus
- descrição dos "preparos da festa feita pelo
narrador, que assume o olhar do povo (as colunas,
as figuras, os medalhões, as ruas toldadas, os
mastros enfeitados com seda e ouro, as janelas
ornamentadas com cortinas e sanefas de damasco e
franjas de ouro), que se sente maravilhado com a
riqueza da decoração (uma reflexão do narrador
leva-o a concluir que não se verificam muitos
roubos durante a cerimónia, pois o povo teme os
pretos que se encontram armados à porta das lojas
e os quadrilheiros, que procederiam à prisão dos
infractores)
42O espaço social Procissão do Corpo de Deus
- referência do narrador às damas que aparecem às
janelas, exibindo penteados, rivalizando com as
vizinhas e gritando motes - à noite, passam pessoas que tocam e dançam,
improvisa-se uma tourada - de madrugada, reúnem-se aqueles que irão formar
as alas da procissão, devidamente fardados
43O espaço social Procissão do Corpo de Deus
- o evento começa logo de manhã cedo.
- DESCRIÇÃO DO APARATO
- à frente, as bandeiras dos ofícios da Casa dos
Vinte e Quatro, em primeiro lugar a dos
carpinteiros em honra a S. José atrás, a imagem
de S. Jorge, os tambores, os trombeteiros, as
irmandades, o estandarte do Santíssimo
Sacramento, as comunidades (de S. Francisco,
capuchinhos, carmelitas, dominicanos, entre
outros) e o rei, atrás, segurando uma vara
dourada, Cristo crucificado e cantores de hinos
sacros
44O espaço social Procissão do Corpo de Deus
- crítica do narrador às crenças e interditos
religiosos - visão oficial da procissão como forma de
purificação das almas, que tentam libertar-se dos
pecados cometidos
45O espaço social Procissão do Corpo de Deus
- Censura ao luxo da igreja e à luxúria do Rei
- histeria colectiva das pessoas que se batem a si
próprias e aos outros como manifestação da sua
condição de pecadores
46EM SÍNTESE
- As procissões e os autos-de-fé caracterizam
Lisboa como um espaço caótico, dominado por
rituais religiosos cujo efeito exorcizante
esconjura um mal momentâneo que motiva a
exaltação absurda que envolve os habitantes. - A desmistificação dos dogmas e a crítica irónica
do narrador ao - clero subjazem ao ideário marxista que condena a
religião enquanto "ópio do povo", isto é,
condena-se a visão redutora do mundo apresentada
pela Igreja, que condiciona os comportamentos,
manipula os sentimentos e conduz os fiéis a
atitudes estereotipadas. - A violência das touradas ou dos autos-de-fé apraz
ao povo que, obscuro e ignorante, se diverte
sensualmente com as imagens de morte, esquecendo
a miséria em que vive.
47O TRABALHO NO CONVENTO
- Mafra simboliza o espaço da servidão desumana a
que D. João V sujeitou todos os seus súbditos
para alimentar a sua vaidade. - Vivendo em condições deploráveis, os cerca de
quarenta mil portugueses foram obrigados, à força
de armas, o abandonar as suas casas e a erigir o
convento para cumprir a promessa do seu rei e
aumentar a sua glória.
48Espaço psicológico
- o espaço psicológico é constituído pelo conjunto
de elementos que traduz a interioridade das
personagens. Nesta obra, o espaço psicológico é
constituído fundamentalmente através de dois
processos os sonhos das personagens, que
funcionam como forma de caracterização das mesmas
ou que, num processo que lhes confere densidade
humana, traduzem relações com as suas vivências
e os seus pensamentos.
49TEMPO
50TEMPO O tempo diegético (tempo da história)
- Trata-se do tempo em que decorre a acção.
- O tempo da história é constituído por algumas
datas fundamentais. - A acção inicia-se em 1711. D. João V ainda não
fizera vinte e dois anos e D. Maria Ana Josefa
chegara há mais de dois anos da Áustria. - O fluir do tempo, mais do que através da
recorrência a marcos cronológicos específicos, é
sugerido pelas transformações sofridas pelas
personagens e por alguns espaços e objectos ao
longo da obra.
51TEMPO O tempo diegético (tempo da história)
- O tempo histórico
- Logo no início do romance, podemos inferir que a
acção tem início no ano de 1711, através da
seguinte referência do narrador - "(. ..) S. Francisco andava pelo mundo,
precisamente há quinhentos anos, em mil duzentos
e onze (. . .)"
52TEMPO O tempo diegético (tempo da história)
- Referências cronológicas
- As referências cronológicas mais importantes são
as seguintes - Em 1716, tem lugar a bênção da primeira pedra do
Convento de Mafra - em 1717, Baltasar e Blimunda regressam a Lisboa
para trabalhar na passarola do padre Bartolomeu
de Gusmão - em 1719, celebra-se o casamento de D. José com
Mariana Vitória e de Maria Bárbara com o príncipe
D. Fernando (VI de Espanha) - em 1730, mais propriamente no dia 22 de Outubro,
o dia do quadragésimo primeiro aniversário do
rei, realiza-se a sagração do Convento de Mafra - a acção termina em 1739, no momento em que
Blimunda vê Baltasar a ser queimado em Lisboa,
num auto-de-fé.
53TEMPO O tempo diegético (tempo da história)
- Muitas vezes, a passagem do tempo é anunciada por
situações precisas "Para D. Maria Ana é que lhe
vem chegando o tempo. A barriga não aguenta
crescer mais por muito que a pele estique (.. .)"
ou por referências temporais que se integram em
marcações referenciais por exemplo - "() tendo partido daqui há vinte meses ()" p.
72 - "Meses inteiros se passaram desde então, o ano é
já outro" p. 77 - "Entretanto, nasceu o infante D. Pedro (...)" p.
88 - "Bartolomeu Lourenço foi à quinta de S. Sebastião
da Pedreira, três anos inteiros haviam passado
desde que partira (. .) p. 117 - "(...) é certo que há seis anos que vivem como
marido e mulher ()" p. 130 - "(...) se não ficou dito já, sempre são seis anos
de casos acontecidos () " p. 134 - "() e já vão onze anos passados (...)" p. 162
- "(...) passaram catorze anos () p. 214
- "Desde que na vila de Mafra, já lá vão oito anos,
foi lançada a primeira pedra da basílica ()" p.
231
54TEMPO O tempo do discurso
- O tempo do discurso é revelado através da forma
como o narrador relata os acontecimentos. Este
pode apresentá-los de forma linear, optar por
retroceder no tempo em relação ao momento da
narrativa em que se encontra ou antecipar
situações.
55TEMPO O tempo do discurso
- As analepses (recuos no tempo)
- As analepses explicam, geralmente, acontecimentos
anteriores, contribuindo para a coesão da
narrativa. - É de assinalar, anteriormente ao ano do início da
acção (1711 ), a analepse que explica, em parte,
a construção do convento como consequência do
desejo expresso, em 1624, pelos franciscanos, de
possuírem um convento em Mafra.
56TEMPO O tempo do discurso
- As prolepses (acções futuras)
- A antecipação de alguns acontecimentos serve os
seguintes objectivos
- . a crítica social - é o caso das prolepses que
dão a conhecer as mortes do sobrinho de Baltasar
e do infante D. Pedro, de modo a estabelecer o
contraste entre os dois funerais, ou a morte de
Álvaro Diogo, que viria a cair de uma parede,
durante a construção do convento, assim como a
informação sobre os bastardos que o rei iria
gerar, filhos das freiras que seduzia
- . a visão globalizante de tempos distintos por
parte do narrador (o tempo da história e, num
tempo futuro, o do momento da escrita) - cabem
aqui as referências aos cravos (outrora, nas
pontas das varas dos capelães muito mais tarde,
símbolos da revolução do 25 de Abril), a
associação entre os possíveis voos da passarola e
o facto de os homens terem ido à Lua, no século
XX, a alusão ao tipo de diversões que se vivia no
século XVII e ao cinema, entre outras
57CONTINUA
Raios parta o sapo