Title: FERNANDO PESSOA
1FERNANDO PESSOA
2A Lírica (Poesia) Moderna
- Duas polaridades
- Uma lírica intelectualizada, de grande rigor
formal, iniciada por Mallarmé e continuada por
Valéry, pela qual a poesia deve ser uma festa do
intelecto - uma lírica formalmente livre, alógica, iniciada
por Rimbaud e elevada às últimas conseqüências
pelo poeta surrealista André Breton, pela qual a
poesia deve ser a derrocada do intelecto.
3A Lírica Moderna
- É marcada por uma tensão entre as forças
cerebrais, de uma lírica intelectualizada, e o
impulso anárquico, de uma lírica livre e
alógica.
4A Lírica Moderna
- Característica comum a todos os artistas da
vanguarda moderna a ruptura com a tradição
cultural e o desejo de criar uma nova estética em
face à crise da humanidade provocada pelos
horrores do entre-guerras.
5A Lírica Moderna
- A poesia vanguardista moderna é a poesia da
sugestão, ou seja, tende mais a sugerir do que a
comunicar. - A poesia deve provocar no leitor apenas uma
sugestão mágica, sem nenhuma pretensão de ser
compreendida.
6A Lírica Moderna
- O poeta moderno agride o leitor com seus versos
inefáveis, inexplicáveis, alimentando-se do
prazer aristocrático de não ser compreendido.
7A Lírica Moderna
- Crise do conceito de personalidade redução do
ser humano a um número. - A lírica moderna é a poesia da dissonância a
poesia do homem fragmentado e em crise num mundo
igualmente fragmentado e em crise.
8A Lírica Moderna
- Não há mais lugar para a unidade e a totalidade.
- A totalidade é sempre falsa porque está
estilhaçada e seu estilhaçamento produz uma cisão
no sujeito que se divide entre o sujeito lírico
(o poeta) e o sujeito empírico (o homem).
9A fragmentação em Pessoa
- A fragmentação em Fernando Pessoa envolve um ato
de fingimento que se completa na utilização de
várias linguagens, reveladoras do sujeito como um
ser múltiplo. - Parece que Pessoa levou ao extremo a
fragmentação, chegando mesmo à despersonalização.
10A fragmentação em Pessoa
- Criou não um, mas vários sujeitos líricos.
Entende-se esses sujeitos líricos como personas,
como máscaras, como criações. -
11A heteronímia de Pessoa
12A heteronímia de Pessoa
- Quando o autor faz uso de heterônimos, não se
esconde sob um nome falso. Ocorre bem o
contrário, ele se coloca em posição de diálogo
com o sujeito lírico que ele mesmo criou, além de
assinar a sua própria obra.
13A heteronímia de Pessoa
- O heterônimo é um personagem criado pelo poeta,
que escreve a sua própria obra. Tem nome, obra,
biografia e, sobretudo, um estilo próprios. O
autor, o criador do heterônimo, passa a ser
chamado de ortônimo e a sua criação passa a ser
chamada de heterônimo, não havendo
possibilidade de existência de um sem o outro.
Fernando Pessoa foi quem criou essa designação e
é o único caso de heteronímia na literatura
universal.
14Álvaro de Campos o heterônimo da lírica moderna
- Álvaro de Campos é o mais fecundo e versátil
heterônimo de Fernando Pessoa, e também o mais
nervoso e emotivo, por vezes até histérico. Com
algumas composições iniciais, que devem algo ao
Decadentismo ("Opiário"), Álvaro de Campos é,
sobretudo, o futurista da exaltação da energia
até ao paroxismo (ao auge), da velocidade e da
força da civilização mecânica do futuro, patentes
na "Ode Triunfal".
15Álvaro de Campos o heterônimo da lírica moderna
- É o único heterônimo que conhece uma evolução
("Fui em tempos poeta decadente hoje creio que
estou decadente, e já não o sou"). Passa por três
fases a decadentista, a futurista e
sensacionista e, por fim, a intimista-melancólica.
16As fases da poesia de Campos
171ª - A fase decadentista
- Traduz-se por sentimentos de tédio, enfado,
náusea, cansaço, abatimento e necessidade de
novas sensações. - Falta de sentido para a vida e necessidade de
fuga à monotonia.
181ª - A fase decadentista
- Esta fuga era feita habitualmente à base de
entorpecentes, como era o caso do ópio. - Um dos poemas mais exemplificativos desta fase é
o Opiário (1915).
192ª - A fase futurista e sensacionista
- Após a descoberta do Futurismo (de Marinetti), da
criação do Sensacionismo, e da influência que
recebe do escritor norte-americano Walt Whitman,
Campos adotou, para além do verso livre, um
estilo esfuziante, torrencial, espraiado em
longos versos de duas ou três linhas, anafórico
(repetitivo), exclamativo, interjetivo, monótono
pela simplicidade dos processos, pela reiteração
de apóstrofes (interrupções) e enumerações, mas
vivificado pela fantasia verbal duradoura e
inesgotável, desprezando a rima e a métrica
regular. Assim, ele busca a liberdade, a
irreverência e a prosificação da poesia.
202ª - A fase futurista e sensacionista
- Álvaro de Campos, além de celebrar o triunfo da
máquina, da energia mecânica e da civilização
moderna, canta também os escândalos e corrupções
da contemporaneidade, em sintonia com o futurismo.
212ª - A fase futurista e sensacionista
- Esta fase também é marcada pela intelectualização
das sensações ou pela sua desordem. Como
verdadeiro sensacionista, procura o excesso
violento de sensações à maneira de Walt Whitman.
O seu sensacionismo, contudo, distingue-se do seu
mestre Alberto Caeiro, na medida em que este
considera a sensação captada pelos sentidos como
a única realidade, mas rejeita o pensamento.
222ª - A fase futurista e sensacionista
- O mestre, com a sua simplicidade e serenidade,
via tudo nítido e recusava o pensamento para
fundamentar a sua felicidade, por estar de acordo
com a Natureza já Campos, sentindo a
complexidade e a dinâmica da vida moderna,
procura sentir a violência e a força de todas as
sensações ("sentir tudo de todas as maneiras").
233ª - A fase intimista-melancólica
- Esta fase caracteriza-se por uma incapacidade de
realização, trazendo de volta o abatimento. O
poeta vive rodeado pelo sono e pelo cansaço,
revelando desilusão, revolta, inadaptação, devido
à incapacidade das realizações.
243ª - A fase intimista-melancólica
- Após um período áureo de exaltação heróica da
máquina, Álvaro de Campos é possuído pelo
desânimo e pela frustração melancólica. Parece
apresentar pontos comuns com a 1ª fase a
decadentista - , contudo há que sublinhar que a
intimista traduz a reflexão interior e angustiada
de quem apenas sente o vazio depois da caminhada
heróica.
253ª - A fase intimista-melancólica
- Este Campos decaído, cosmopolita, melancólico,
devaneador, irmão do Pessoa ortônimo, no
ceticismo, na dor de pensar e nas saudades da
infância, ou de qualquer coisa irreal, é o único
heterônimo que compartilha da vida extraliterária
de Fernando Pessoa.
26Análise dos poemas
271 - Ode triunfal
- A Ode Triunfal (fase futurista-sensacionista)
está escrita em verso livre e amplo (num total de
240 versos) e num estilo profundamente inovador
marcado pela grandiloquência (visível,
nomeadamente, nas exclamações e interjeições),
exaltação épica ( Eia! Há-lá! ), ritmo
esfuziante, torrencial anáforas, apóstrofes
repetidas, enumerações, exclamações,
interjeições, onomatopeias, neologismos
(ferreando), fonemas substantivados,
estrangeirismos, grafismos inovadores, frases
nominais e infinitivas, oximoros misturas
semânticas ousadas máquinas/ filósofos/ termos
técnicos/ referências míticas expressões
populares/ expressões eruditas.
281 - Ode triunfal
- Podemos considerar nesta ode três momentos
- A. Introdução (vv. 1 4)
- Marcada pela vontade de cantar, mas
confessadamente em situação de não canto
tenho febre e escrevo.
291 - Ode triunfal
- B. Desenvolvimento (vv. 5 238)
- Marcado pela busca de identificação com tudo
máquinas, pessoas, tempos abertura para o
exterior e anulação do Eu pelo excesso das
sensações cosmopolitismo cidade, luzes,
modernidade, Europa canto de todas as atividades
contemporâneas comércio, indústria,
agricultura, política, imprensa, bordéis, gente
reles à mistura com uma vontade de identificação
com o moderno que vai até à perversão sexual (vv.
72, 86-108 e 116-117).
301 - Ode triunfal
- Este canto de triunfo vai em crescendo até o
final, mas com quebras referência a escândalos
e à corrupção (coexistentes com a modernidade
exaltada) e, sobretudo, o discurso parentético
(dos versos 182 a 190), com a evocação nostálgica
da infância e do mundo rural em desapropriação.
Estas quebras, à mistura com a referência à
febre, do primeiro verso, ao canto também do
passado (vv. 17-22) e à impotência manifestada na
conclusão, afastam, por outro viés, o poema dos
preceitos estritos do Futurismo a Marinetti.
311 - Ode triunfal
- C. Conclusão (o último verso)
- Um verso de conclusão, espécie de finda Ah
não ser eu toda a gente e toda a parte! que
representa uma confissão de fracasso e um retorno
ao ponto inicial, à febre.
322 - Lisbom Revisited (1923)
- Poema da terceira fase intimismo e melancolia.
- Aspectos Temáticos Fundamentais a
inexorabilidade (inevitabilidade) da morte a
recusa de moral metafísica rejeição das
verdades que a sociedade tem ciências
civilização moderna o direito à solidão, ao
silêncio, à diferença a infância como símbolo da
felicidade perdida, presente no céu azul, no
Tejo e na Lisboa de outrora.
332 - Lisbom Revisited (1923)
- Aspectos linguísticos e estilísticos mais
relevantes acumulação de construções negativas,
como manifestação da recusa que o sujeito poético
faz das principais manifestações da vida moderna
de Lisboa Obs. Da exaltação e da euforia febril
de Ode Triunfal passa-se ao tédio, ao desejo de
solidão, à náusea e à angústia.
342 - Lisbom Revisited (1923)
- É precisamente esta última fase de Campos, e o
ceticismo que o percorre, que o aproximam de
Pessoa ortônimo. Esta temática da infância
aparece, no poema, depois da enumeração de uma
série de sensações violentas e negativas. O
sujeito poético vê o céu, o Tejo e Lisboa com o
olhar da sua infância e ao mesmo tempo com o
olhar do agora, do momento presente (Ó céu azul
o mesmo da minha infância Tejo ancestral e
mudo Lisboa de outrora e de hoje).
353 Ao volante do Chevrolet pela estrada de
Sintra
- A sociedade de produção sem as máquinas da
revolução industrial, ou sem os carros, seria um
progresso apeado, ou seja, um progredir de coisa
nenhuma, para outra igual a si.
363 Ao volante do Chevrolet pela estrada de
Sintra
- O automóvel, porém, encerra dentro dele outra
particularidade para ser guiado necessita de um
volante, um comando de seguir viagem, cujo
maquinismo, instrumento, o volante, é o símbolo
sensacionista por excelência. Sem ele a sensação
seria estéril, fixa, intoxicante, inconsequente,
descontrolada, desequilibrada e descabida.
373 Ao volante do Chevrolet pela estrada de
Sintra
- A estrada de Sintra é apenas um caminho, pelo
qual, com o auxílio do volante (o sensacionismo,
a corrente), cada um pode conduzir o progresso
social e industrial, mecânico e econômico, a seu
bel prazer, em direção à descoberta de si
próprio, enquanto homem cosmopolita na sua fuga
para a vida, para a frente, com a pobreza à
esquerda e o latifúndio à direita, mas iludido e
material, como o é, indubitavelmente, o homem
típico da sociedade de produção.
383 Ao volante do Chevrolet pela estrada de
Sintra
- No epílogo "final", há a sugestão de que as
coisas do progresso, só serão válidas e úteis
desde que forneçam um veículo e caminho que
facilitem ao homem do seu tempo a tarefa
essencial de se buscar, para a descoberta de si
mesmo, enfim, um quadro de fundo e leitmotiv que
assiste a todo e qualquer sensacionismo, ou até a
todo e qualquer "ismo".
393 Ao volante do Chevrolet pela estrada de
Sintra
- Outro pormenor a realçar, enquanto crítica do
social, é que, ironicamente, o Chevrolet
conduzido é emprestado, pois o modelo de
sociedade descrito e subscrito por Campos também
foi emprestado, não é português, é
anglo-americano, visto que em Portugal a
revolução industrial nunca chegou a acontecer, em
termos determinativos e concludentes.
403 Ao volante do Chevrolet pela estrada de
Sintra
- A oposição entre as duas cidades denuncia a
medida da inquietação do sujeito que põe entre
ambas. Quando está em uma, quer estar em outra e
vice-versa. Essa oposição é elevada à condição
simbólica de expressão de si (vida ou sonho).
413 Ao volante do Chevrolet pela estrada de
Sintra
- A inquietude traz a instabilidade que leva o eu
poético a admirar aqueles que estão parados. No
final, ao aproximar-se de Sintra, transparece o
cansaço da imaginação e, em sua reflexão,
parece distanciar-se da compreensão de si mesmo
cada vez menos perto de mim...
424 Mestre, meu mestre querido!
- Neste poema, Campos faz uma homenagem ao seu
mestre Alberto Caeiro. Reverencia o Mestre, mas
numa evocação dramática de discípulo que,
confessadamente, não logrou professar o credo da
"apendizagem de desaprender" , e para quem o
"pasmo essencial / Que tem toda criança se, ao
nascer, / Reparasse que nascera deveras" se
transforma na "pavorosa ciência de ver".
434 Mestre, meu mestre querido!
- Álvaro de Campos, o poeta que nas grandes odes
sensacionistas tenta a captação panfágica da
realidade plural, ávido de um "mundo exterior
sempre múltiplo", abre o seu poema com a clara
manifestação de seu sentimento de perda em
relação a Caeiro ("Mestre, que é feito de ti
nesta forma de vida?"), o que se consuma nos
versos finais da terceira estrofe - Eu, escravo de tudo como um pó de todos os
ventos, - Ergo as mãos para ti, que estás longe, tão longe
de mim.
444 Mestre, meu mestre querido!
- Campos se declara caído na desgraça de ser
próprio, sendo ninguém, sendo nada. A "clareza da
vista", objetivadora, ensinada naquela iniciação
epistêmica, não encontra no discípulo malogrado
"a alma com que a ver clara", e "o alto dos
montes", para que fora chamada, não foi alçado
pela "criança das cidades do vale" porque ela
"não sabia respirar".
454 Mestre, meu mestre querido!
- Daí decorre o sentimento de vazio existencial
presente na obra de Álvaro de Campos, seja
constatado, euforicamente, nas grandes odes
sensacionistas, seja manifesto, dramaticamente,
na fase depressiva de seus últimos poemas.
465 Poema em linha reta
- O sujeito lírico é crítico em relação a si
próprio e interroga o leitor pedindo-lhe
respostas. Dessa forma, se apresenta por meio de
adjetivos pejorativos reles, porco, vil,
pessimista, sujo, ridículo, absurdo, grotesco,
mesquinho, submisso, arrogante, cômico, errôneo.
Expõe-se, portanto, ao ridículo quando revela
suas transgressões sociais, através de uma
perspectiva absurda e sarcástica.
475 Poema em linha reta
- Quando declara que tenho enrolado os pés
publicamente nos tapetes das etiquetas, o eu
poético sugere uma fuga das etiquetas que a
sociedade impõe, sem dar importância às
convenções sociais, que exigem regras das
pessoas civilizadas.
485 Poema em linha reta
- O poeta, ironicamente, lamenta que os outros, os
príncipes, os superiores, ou seja, nenhuma
voz humana possa confessar-lhe algum pecado ou
alguma atitude vil. Trata-se, naturalmente, de
uma corrosiva ironia à hipocrisia social que
ostenta de falsas aparências.
496 Todas as cartas de amor são
- Todas as cartas de amor são e Poema em linha
reta possuem um ponto em comum ao abordarem,
ambos, a questão da transgressão da ordem social
pelo ridículo, pelo absurdo.
506 Todas as cartas de amor são
- Trata-se de um sujeito lírico que não assume a
dimensão heróica de luta contra a sociedade,
lutando por algum ideal revolucionário. Numa
perspectiva niilista, o sujeito assume a
possibilidade de ser ridículo como traço
marcante da condição humana.
516 Todas as cartas de amor são
- Na introdução do poema, está posta a ideia de
que, em sua totalidade, as cartas de amor são
ridículas, e que não poderiam ser cartas de
amor se não fossem ridículas, pois parece que
todo o sentimentalismo é piegas.
526 Todas as cartas de amor são
- Então o sujeito lírico demonstra uma virada de
perspectiva nos versos Mas, afinal,/Só as
criaturas que nunca escreveram/Cartas de amor/É
que são/Ridículas. Atribuindo um caráter
negativo ao termo ridículas, subverte a noção e
sugere que ridículas são, justamente, as
pessoas que não escreveram cartas de amor.
536 Todas as cartas de amor são
- Satiriza e rebaixa, assim, as criaturas que
nunca conseguiram expressar o sentimento amoroso
por cartas, que não se permitiram o ridículo de
se entregar ao amor. Portanto não se expor à
verdade, mesmo que inventada não se entregar às
intempestivas razões do coração (misterioso), é
renegar a liberdade e a maior de todas as
possibilidades permitidas para ser,
adoravelmente, ridículo.
546 Todas as cartas de amor são
- Com os versos Quem me dera no tempo em que
escrevia/Sem dar por isso/Cartas de
amor/Ridículas., a fala do sujeito lírico ganha
uma dimensão melancólica, na medida em que essa
escrita passa a ser objeto de desejo do eu
poético, inalcançável no presente.
556 Todas as cartas de amor são
- Tal amargura parece configurar-se nos seguintes
versos A verdade é que hoje/As minhas
memórias/Dessas cartas de amor/É que
são/Ridículas. Ao pensar no passado, parece
refutar a idéia de nostalgia, pois recordar sobre
as cartas de amor que, supostamente, escrever é
que deveras inútil nesse momento.
566 Todas as cartas de amor são
- Na estrofe final, posta entre parênteses, faz uma
espécie de comentário interno sobre o próprio
poema (Todas as palavras esdrúxulas/Como os
sentimentos esdrúxulos,/São naturalmente/Ridículas
.) Sugere, enfim, que o amor, como sentimento
que arde, que é extravagante, que provoca
devaneios e desesperos, tem a particularidade de
poder ser conclamado e de nos permitir ser
exagerado e ridículo. Então, esquisito ou
risível, o discurso poético e a expressão amorosa
são objetos dignos de riso, na autoconsciência
corrosiva de Campos.
577 - Tabacaria
- O poema enquadra-se na terceira fase poética de
Álvaro de Campos, denominada intimista-melancólica
. Desiludido dos esforços das fases anteriores,
"Sensacionista" e "Futurista", Campos deixa-se
cair num pessimismo intenso, marcado por um forte
regresso das memórias da sua infância e a
consciência de que ficou (e está) sozinho no
mundo.
587 - Tabacaria
- O tema do poema é a dimensão da solidão interior
face à vastidão do Universo exterior. A Tabacaria
acaba por ser um símbolo que não tem valor
próprio - verdadeiramente importante é que esse
símbolo faz nascer em Campos a necessidade de
analisar a sua própria existência face à
existência da Tabacaria enquanto coisa fixa e
real.
597 - Tabacaria
- A simbologia do quarto e da janela versus a rua e
a Tabacaria pode representar a oposição entre o
"dentro" e o "fora", uma oposição dialética que
parte em busca de uma síntese, de uma
compreensão.
607 - Tabacaria
- Ao longo de todo o texto, há uma noção clara de
diálogo, mesmo sem personagens. Trata-se de um
monólogo, onde Campos fala para si mesmo e, em
evidentes momentos de quebra (passagens entre
parênteses), para a fim de pensar, intercalando
ao discurso racional momentos de delírio
momentâneo, irracionais, emocionais, mas
complementares.
617 - Tabacaria
- A primeira parte do poema correspondente à
primeira estrofe, o sujeito lírico assume uma
espécie de vazio ontológico - "não sou nada", e a
contraposição entre o nada exterior e o tudo
interior ("tenho em mim..."). Na realidade o
vazio ontológico é ilusório e aquele "nada" é
apenas o assumir de não ser nada exteriormente -
a nulidade não é verdadeiramente ontológica
(teoria do ser enquanto ser em si mesmo), mas
fenomenológica (fenômenos interiores).
627 - Tabacaria
- Na parte seguinte, o sujeito lírico estabelece a
sua condição atual, ao mesmo tempo em que
localiza o espaço - sabemos que está no seu
quarto e a metáfora do quarto é a metáfora da sua
condição humana. Ele é uma mente presa num quarto
que olha a realidade do dia a dia por uma janela.
637 - Tabacaria
- O que fica é, sobretudo, um sentido de oposição
entre realidade (a rua, a Tabacaria) e
irrealidade (a vida dele, o quarto). A ligação
entre ambas é apenas uma janela, ou seja, permite
uma interação limitada, mas nunca uma passagem
concreta de uma para a outra. O eu poético é um
"falhado", mesmo que se saiba um gênio - é afinal
Pessoa que fala pela voz da Campos. Está vencido
e sabe que nunca conseguirá ser feliz.
647 - Tabacaria
- Na entrada do homem na Tabacaria, o sujeito
lírico justifica para si mesmo o rumo que teve na
vida e, deixando ainda estar-se desesperado, olha
as alternativas que lhe restavam para ser feliz.
Aqui a contraposição já não é entre o real e o
ideal, entre o fora e o dentro, mas entre ele e
os outros, entre a sua condição e a condição dos
outros.
657 - Tabacaria
- Choca-lhe, sobretudo, aqueles que vivem a sua
vida numa inconsciência plena - essa é afinal, em
muitas das passagens de Pessoa, o ideal
inatingível de felicidade.
667 - Tabacaria
- Começa com a rapariga que come chocolates, suja,
perdida na sua gula. Essa passagem é marcante e
simples de analisar "Pudesse eu comer chocolates
com a mesma verdade com que comes! / Mas eu
penso". Sabe, porém, que isso está fora do seu
alcance - ele não vai deixar de pensar. Resta-lhe
uma atitude nobre e vaga os poemas. Uma atitude
nobre que ele espera que o salve, não sabe bem
como, de uma mediocridade intensa que lhe vem de
nada fazer sentido em sua vida.
677 - Tabacaria
- Surge o regresso da realidade. O sujeito lírico
deixa de "filosofar" quando um elemento real se
intromete entre ele e a Tabacaria. Tudo se
desmorona, porque tudo estava apenas no
pensamento dele e nunca poderia ser real da mesma
maneira que o Esteves é real.
687 - Tabacaria
- Passando, subitamente, a interveniente na
realidade que analisava, vê um conhecido que
depois lhe acena, e deixa de poder estar fora da
realidade para ser puxado violentamente para o
meio dela. É assim que o Universo se reconstrói
subitamente, sem metafísica, ou seja, sem dar
mais azo ao pensamento e à análise - é só a
verdade dos sentidos e não a idealização do
pensamento.
698 Aniversário
- Escrito em 13 de junho de 1930, data do
aniversário do próprio Fernando Pessoa, o ponto
de partida do poema é a comemoração do
aniversário. Ao final, entretanto, aparece a data
de 15 de outubro de 1929, aniversário atribuído a
Álvaro de Campos. Trata-se de um dos poemas mais
tristes e simultaneamente pungentes de toda a
obra do poeta.
708 Aniversário
- O poema "Aniversário" enquadra-se precisamente na
última fase do poeta, a fase dita
intimista-melancólica, em que os temas
abordados por Campos apontam para a sua desilusão
com a vida, sugerindo a amargura e a lembrança de
um passado para onde nunca mais poderá regressar.
718 Aniversário
- "Aniversário" é mesmo marcado por essa recordação
da infância " No tempo em que festejavam o dia
dos meus anos, / Eu era feliz e ninguém estava
morto". Campos parece referir-se aos anos de
infância de Pessoa, em que nenhum dos seus irmãos
tinha ainda morrido, e o seu próprio pai ainda o
acompanhava. Nesse "tempo", festejar os anos era
ainda uma festa inocente e feliz.
728 Aniversário
- O tempo passado é um tempo feliz, mas,
simultaneamente, um tempo perdido, porque as
crianças não sabem que são felizes, só mais tarde
quando recordam. As crianças têm "a grande saúde
de não perceber coisa nenhuma".
738 Aniversário
- A seguinte passagem "O que eu sou hoje (e a casa
dos que me amaram treme através das minhas
lágrimas), / O que eu sou hoje é terem vendido a
casa, / É terem morrido todos, / É estar eu
sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio..."
sugere uma grande desilusão. A infância
perdeu-se para nunca mais regressar igual. No
momento presente o poeta sente essa perda como a
perda da sua identidade feliz.
749 - Grandes são os desertos, e tudo é deserto
- Na poesia de Campos, a melancolia é efeito de uma
perda que ocorre no próprio eu. Portanto para
este eu do agora, do momento presente, sobrou o
vazio inquieto, restaram os sentimentos de
melancolia, tédio, angústia e náusea diante de
tudo.
759 - Grandes são os desertos, e tudo é deserto
- O movimento de arrumar a mala é alternado com o
do adiamento de todas as viagens. Partindo de uma
profunda reflexão, acerca da aridez interior e do
descontentamento de si, chega-se à conclusão de
que se tem por força que arrumar a mala.
769 - Grandes são os desertos, e tudo é deserto
- O gesto cotidiano de acender o cigarro é mais do
que um simples gesto, representa o desejo de
adiamento, seja da vida, seja do universo
inteiro. O presente absoluto que assola a vida
também deve ser adiado.
779 - Grandes são os desertos, e tudo é deserto
- O julgamento do adulto, de agora, é implacável
consigo mesmo o sentir-se derrotado pela vida o
comprometeu de modo irremediável, deixando muito
distante o menino de outrora, que ainda podia
sonhar.
789 - Grandes são os desertos, e tudo é deserto
- Mesmo com a constatação de que arruma melhor a
mala apenas no pensamento, sabe que não é apenas
no pensamento que a sua vida deverá ser arrumada,
mas também na ação. A repetição da expressão ter
que arrumar torna obrigatória a tentativa de
realizar a ação.
799 - Grandes são os desertos, e tudo é deserto
- Por que arrumar a mala de ser se tudo é
deserto? Por toda a vida teve e tem de arrumar a
mala, mas o que tem feito é ficar sentado. Num
dado momento, contudo, o impulso para arrumar a
mala parece vencer a atitude estática e
ruminante.
809 - Grandes são os desertos, e tudo é deserto
- Só que, quando se levanta em definitivo, com
força e coragem para arrumar a mala, mais uma vez
volta à questão da felicidade que mora sempre na
casa dos outros ou em qualquer lugar em que não
se esteja.
819 - Grandes são os desertos, e tudo é deserto
- Ele tem pena de si mesmo, porque sabe que o
deserto que se formou, sem possibilidade de
disfarçar o solo com pedras e tijolos, está no
seu interior, pois pode até ser que nem tudo seja
deserto, pode haver oásis, mas não para ele.
829 - Grandes são os desertos, e tudo é deserto
- No final, como última tentativa desesperada de
ancorar nessa necessidade, decide que mais vale
arrumar a mala, porque senão o pensamento lhe
revelará o vazio, o do deserto de ser. Talvez, no
entanto, já seja tarde demais, porque no último
verso, lemos a palavra Fim.
8310 - Lisboa com suas casas
- Poema de estrutura simples, formado por cinco
estrofes, de tamanhos diferentes, escrito em
versos livres, tendo como núcleo de sua
construção a repetição Lisboa com suas casas/De
várias cores. Tal repetição sugere uma
caracterização trivial e abstrata, revelando a
monotonia objetiva da cidade.
8410 - Lisboa com suas casas
- Na longa segunda estrofe do poema, acontece um
deslocamento para um outro tempo e para outro
espaço. O sujeito lírico surge em meio a noite,
com os olhos fechados e sofrendo de insônia. Em
seguida, como numa projeção, não vê mais Lisboa
com as suas casas de várias cores no lado interno
das pálpebras.
8510 - Lisboa com suas casas
- Ocorre, assim, uma de perspectiva e a monotonia
dessa imagem provoca o sorriso satisfeito de
quem dorme e esquece que existe. Trata-se de uma
imagem interiorizada, entre a vigília e o sono,
que constrói um lugar aconchegante, que leva ao
sono e ao descanso.
8610 - Lisboa com suas casas
- Na passagem da vigília ao sono, no tédio de
estar acordado ao descanso de esquecer que
existe, é que a cidade interessa como projeção
subjetiva da interioridade do sujeito.
87Última frase, escrita em inglês, do poetaI
know not what tomorrow will bring(Eu não sei o
que o amanhã trará)